segunda-feira, 9 de julho de 2012

Àquela que me vê como sou, escrevo o que se segue:


Vedes que me deito em terras geladas e rogo pragas em vosso nome, chuto pedras em vossa direção e atiro maldizeres em vossa intenção. Sou aquele fraco que se deita com vós por um momento de carícias seguido por náuseas e cóleras. Peço, portanto, perdão por aquele dia que fiz algo que não me recordo, peço que reveja sua dose de pena sobre o descumprimento do que não me vem à mente, e, tão importante, peço que veja com melhores olhos sobre aquele tal assunto que me esqueci.
E digo que me esqueci, e que não me recordo, e que não me vêm à mente por conta de vós! Vós que acabastes de me enojar, e me deixastes aqui, neste chão sujo com os restos, sujo com as pisadas de outros, junto com estes azulejos brancos e com essa porta nojenta.
Me deixastes aqui, na sarjeta, como fazem todos! Como fazem aqueles que me querem o bem! (e que, visivelmente, não o fazem) Sou distante, sou mutável, mas sou amável! Sei que sou, pois falo isso a mim mesmo o tempo todo, buscando uma crença. Sou amável sim, e vós me deixais como me ponho! Pois digo, sem delongas, que me cansei de toda e rebuscada, me cansei de VOCÊ! Quero é que se foda!
Mas antes, uma outra rodada, garçom. 

sexta-feira, 28 de outubro de 2011

Sob suas lentes

                Sob aquela lente viu a tevê. Foi batida, foi prisão, foi corrupção. Sob essa lente foi ao mercado, comprou o que devia e viu o que não devia, foi assaltado, ameaçado, dele levaram o dinheiro e os óculos. Trocou de lente
                Sob essa nova lente foi trabalhar. Viu o chefe, a secretária e papéis. Viu bastante papel, para quê, não se lembra, mas viu. E muito. Foi almoçar e viu a nota, o dinheiro, o guardanapo. Muito papel, pensou. Foi pra casa, tirou os óculos. Dormiu.
                Pôs novos óculos, sob esses, foi ao parque, viu crianças, viu aquela linda flor que nunca esquecerá, aquela outra linda, que também nunca esquecerá e viu que ali seria um bom lugar para levar os filhos que ainda não tinha. Viu o céu e nele, nuvens, onde os pássaros passeavam e levavam seus filhos para voar. O dia foi bom, mas a noite chegou e tirou os óculos. Os guardou bem guardados, para poder usar depois.
                Um par diferente para aquele dia diferente. Acordou de mal-humor e saiu, não queria ver ninguém, colocou os óculos ideais, não viu a multa recebida pelo carro mal estacionado, não viu os relatórios atrasados que empilhavam-se e escondiam sua mesa, não viu o chefe que gritava, não viu o telefone tocando incontáveis vezes, não viu uma nova multa pelo mesmo problema, não viu a curva fechada, não viu seu fim. Tiraram-lhe os óculos. Fecharam-lhe os olhos.

terça-feira, 4 de outubro de 2011

História de [M]aria

Ela saiu de casa com o pesar de sempre, lembrou-se de dar um beijo no filho e mandá-lo dormir, ele deveria dormir enquanto ela estava fora, como sempre. “Qualquer coisa, chama sua irmã” e saiu.
Aquele era mais um dia que esperava a semana inteira para não acontecer. Preferia levar a vida simples a ir mais dias, para ela, todos eram iguais. Com barbas a fazer e cabelo ralo, mesmo que o de hoje fosse barbudo como um monte de palha e tivesse cabelos longos, para ela seria apenas o mesmo. E mais um.
Aprendeu com a mãe a ser como era. Quando pequena, não tivera um pai, nunca uma figura presente forte a se embasar. Mas amava a mãe, incondicionalmente, lembrou-se enquanto atravessava a rua em sua bota alta e com salto agulha, do episódio vivido há alguns anos. Sua mãe escondera dela por tanto tempo que os vestígios já eram interpretados com normalidade. Até aquele dia, o dia que saiu de casa e nunca mais voltou. O dia que saiu do Paraná e nunca mais voltou.
Chegou mais cedo e entrou no conjugado, bonito para os padrões do bairro. Foi à sala e viu sua mãe com visita. Muitos gritos e objetos quebrados se seguiram para culminar em uma porta batida ao som lamurioso de uma mãe envergonhada, que chora a ida de uma filha novata e que entendeu mal as intenções da mãe.
Ela se foi. A mãe e a filha. A filha, com amigos, foi à São Paulo, rancorosa e apregoada em sua raiva. A mãe se foi logo mais, dias mais, por assassinato, alguns dizem, mas confesso que foi por desgosto, por desgosto próprio, ouvi que ela não mais suportava ser quem nunca deixaria de ser, quem sua mãe era.
Já fixa em São Paulo, a filha se tornou uma mãe, uma esposa e uma empregada doméstica da elite. Mas por um marido rude e por umas agressões, acabou sendo mãe, solteira, de um filho a menos e vendedora. Vendedora como a mãe. E como sua própria filha, como descobriu mais tarde.

quinta-feira, 22 de setembro de 2011

O moço fascinante

Ele era um bom moço. Era conhecido como um bom partido, todas as mães o queriam para as filhas, e as filhas, coitadas, respeitavam o gosto das mães e se derretiam por sua beleza. Ele era lindo, um encanto. Era fascinante.
                Mas a história que vos conto se inicia em uma mesa mal posa em um bar, com os amigos, o moço conversava e assuntos interessantes saíam dali, pois o môo era bem formado e informado das coisas. Era inteligente, era um doce. Era fascinante.
                Todos falavam com ele e com uma maestria invejável, se introduzia em todos os assuntos, o moço era sociável como um vendedor, mas daqueles vendedores que fazem você levar até pedra, misturado com um tom refinado, como apenas os high society mais high são. Era um príncipe, um galante. Era fascinante.
                Aquela pessoa que ele achava fascinante chegou, tomou seus lábios por uns segundos e deixou os outros com as bocas abertas. Ele era lindo, era inteligente, era educado, era fascinante. Era gay

terça-feira, 30 de agosto de 2011

Um ode às novas


Num momento de lucidez eu me dei conta que tudo o que dizia era algo que fugia do que é aquilo que posso dizer: criava odes às velhas, pois não mais estão aqui e por isso são elevadas, mas às novas é que são elas, pois muitos são d’velhas. Quando expresso minha opinião pró-novas não expresso um contra-velhas, afinal, elas vieram e fizeram o que tinham o que fazer, mas elas já foram as boas novas, mas agora perderam as boas e ficaram velhas, e qual jornalista vive de velhicidades?
                Sou mais uma novinha, recém feita mesmo, daquelas que ainda cheiram ao maquinário preparatório, daquelas que a gente pega e até sente um alívio por ter sempre algo mais bacana, mais bem preparado. E quem diz que cada vez mais o menos prevalece, peço que mantenha sua opinião mortuária para si mesmo, e ainda um grato pela compreensão.
                Se for pra viver das velhas, das mortas, das passadas e das já usadas, não fale então de esperança ou fé, pois se não tiver fé nos homens, terás em quem?
                E falo com você, você que já disse não a uma nova apenas por ser nova, e que vangloriou aquela velha, apenas por ser velha. Vou te contar uma verdade: as pessoas/coisas não melhoram quando morrem/acabam, elas até poderão ser lembradas como tal, porém isso será um engrandecimento póstumo, visto que aquilo não será mais do que foi um dia.
                Um ode às novas não representa uma aversão às velhas, mas sim uma defesa.

sábado, 11 de junho de 2011

Há tantos de mim dentro de mim mesmo

    Vejo o ontem como a velha imagem no espelho congelado do passado. Não me imagino como sendo o mesmo que estava lá, e não me venha com Heráclito, quando digo que não sou o mesmo, digo no sentido literal. Como pude pensar daquela forma e escrever com aquelas rudes palavras? Peço desculpas a mim hoje, não tinha intenção de ser assim, mas me pareciam tão sutis e precisas que não consegui percebê-las como eram.
Ando sendo severo demais comigo mesmo, e digo aos outros para não o serem, aceitar as próprias mudanças e adorá-las como adoram a vida, mas num ato de hipocrisia, não o faço. Fico com raiva por não poder mudar e amar as minhas mudanças e esbravejo a mim mesmo que o eu não deve ser como sou. Entendo as súplicas de perdão que vem de mim e as compreendo como vindo de outros, de outros “mins”, mas sou só eu.
Ando devagar sem a intenção de correr, mas Eu ando com a pressa de quem foge da iminência mortal, Eu ando sentindo a apreciando a enfadonha vida que Eu tenho, assim como Eu sinto que parar de fugir e ir de encontro a ela seria a melhor maneira de prosseguir.

Texto inspirado na frase de uma querida amiga, Thalita Rodrigues

quarta-feira, 27 de abril de 2011

Imagens

   Hoje o dia foi frio, ontem o dia foi frio também, a semana tem sido fria comigo. Não me lembro de dias tão frios como os que passo agora, mal consigo me tocar, de tão gélida que minha mão está. Me olho no espelho mas o gelo tomou conta do meu reflexo e não me vejo mais como o antigo, e sim como um disforme esbranquiçado.
   Ainda assim, espero que o dia amanheça frio, pois gosto desse frio, a imagem que vejo dos outros fica embaçada pela minha respiração ofegante, que beira um grito. Quem passa na minha frente e me vê assim pensa que sou insensível, mas na verdade sinto esse frio, mas me protejo com meu casaco grosso, forjando uma barreira tão difícil de se transpor quanto uma peneira.
  Corro, mas não consigo avançar nada mais que dois passos por segundo, o tempo não passa da mesma forma que eu o encaro, acho que o frio deve ter afetado meu cérebro, pois não penso mais da mesma forma. Será que tudo será assim, embaçado, para sempre? Minha respiração não volta ao normal, não importa o quanto eu lute para me acalmar, ela não volta. Volte, eu te peço, mas você já correu mais que eu, os passos que agora dou vão de desencontro aos seus e inicio uma vigília insegura de meus pés. Coitados daqueles que passo e não se entregam a mim, não viverão por muito tempo, eu os matarei.
  Corro tão sem rumo quanto aquele que por mim passou, mas quando volto minha visão para frente, vejo que de nada adiantou, pois o espelho está lá ainda. Não posso tocá-lo, mas olhar não me fará mal algum. Ainda não me vejo, mas torço por um amanhã tenebroso como o hoje.
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Este trabalho de Rafael Trocatti, foi licenciado com uma Licença Creative Commons - Atribuição - Uso Não Comercial - Obras Derivadas Proibidas 3.0 Não Adaptada.