Ela saiu de casa com o pesar de sempre, lembrou-se de dar um beijo no filho e mandá-lo dormir, ele deveria dormir enquanto ela estava fora, como sempre. “Qualquer coisa, chama sua irmã” e saiu.
Aquele era mais um dia que esperava a semana inteira para não acontecer. Preferia levar a vida simples a ir mais dias, para ela, todos eram iguais. Com barbas a fazer e cabelo ralo, mesmo que o de hoje fosse barbudo como um monte de palha e tivesse cabelos longos, para ela seria apenas o mesmo. E mais um.
Aprendeu com a mãe a ser como era. Quando pequena, não tivera um pai, nunca uma figura presente forte a se embasar. Mas amava a mãe, incondicionalmente, lembrou-se enquanto atravessava a rua em sua bota alta e com salto agulha, do episódio vivido há alguns anos. Sua mãe escondera dela por tanto tempo que os vestígios já eram interpretados com normalidade. Até aquele dia, o dia que saiu de casa e nunca mais voltou. O dia que saiu do Paraná e nunca mais voltou.
Chegou mais cedo e entrou no conjugado, bonito para os padrões do bairro. Foi à sala e viu sua mãe com visita. Muitos gritos e objetos quebrados se seguiram para culminar em uma porta batida ao som lamurioso de uma mãe envergonhada, que chora a ida de uma filha novata e que entendeu mal as intenções da mãe.
Ela se foi. A mãe e a filha. A filha, com amigos, foi à São Paulo, rancorosa e apregoada em sua raiva. A mãe se foi logo mais, dias mais, por assassinato, alguns dizem, mas confesso que foi por desgosto, por desgosto próprio, ouvi que ela não mais suportava ser quem nunca deixaria de ser, quem sua mãe era.
Já fixa em São Paulo, a filha se tornou uma mãe, uma esposa e uma empregada doméstica da elite. Mas por um marido rude e por umas agressões, acabou sendo mãe, solteira, de um filho a menos e vendedora. Vendedora como a mãe. E como sua própria filha, como descobriu mais tarde.
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